Por que comemos caracóis na França?

Os caracóis, muitas vezes alvo de brincadeiras de nossos vizinhos estrangeiros, são um prato que os franceses apreciam há mais de dois séculos. Com uma forte associação à gastronomia de terroir e um toque campestre, o caracol é frequentemente retratado como um alimento ancestral, servido nas mesas dos reis franceses durante a Idade Média. No entanto, essa imagem não corresponde exatamente à realidade: comer caracóis é uma prática relativamente recente, mesmo na França. Hoje considerado um prato típico de festas, o caracol permanece uma especialidade bem francesa, embora muitas vezes seja visto como pouco apetitoso, tal como as coxa de rã. Embora desperte curiosidade e até zombarias de nossos vizinhos, como surgiu esse gosto peculiar pelos caracóis consumidos com a própria casca?

Desde quando comemos caracóis na França?

Embora o ser humano consuma caracóis desde a Pré-história, eles não eram considerados uma iguaria até o século XIX. Foi em 1814, durante a recepção do czar Alexandre da Rússia, que Talleyrand, o então chefe da diplomacia francesa, solicitou ao renomado chef Marie-Antoine Carême (mais conhecido como Antonin Carême) a criação de um prato inusitado para impressionar o dignitário. Com poucos ingredientes disponíveis, Carême decidiu preparar alguns caracóis encontrados em seu jardim. Inicialmente, pensou em cozinhá-los com vinho, mas acabou optando por uma mistura chamada persillade – uma combinação de alho, salsinha e manteiga que realçava o sabor e facilitava o consumo. O czar, impressionado, retornou à Rússia elogiando os “caracóis à la bourguignonne”, um prato que logo se espalhou por toda a Europa, especialmente na França.

De onde vêm os caracóis consumidos na França?

Ao contrário de outros países, onde os caracóis desapareceram dos menus dos grandes restaurantes no final do século XIX, a França manteve essa iguaria, especialmente na gastronomia da Borgonha. No entanto, a expressão “caracol da Borgonha” pode gerar confusão hoje em dia. Estima-se que cerca de 30.000 toneladas de caracóis sejam consumidas anualmente na França, mas apenas 1.000 toneladas são produzidas localmente. A grande maioria dos caracóis Helix pomatia (a espécie mais comum consumida) vem de países da Europa Oriental. Pior ainda, desde a década de 1970, é raro encontrar caracóis na Borgonha, que sofreram com a exploração excessiva e os pesticidas agrícolas. Hoje, a coleta de caracóis selvagens é rigorosamente regulamentada, e em algumas regiões é proibida. A maior parte da produção nacional vem de criações controladas.

Onde mais no mundo se comem caracóis?

Embora na França os caracóis sejam consumidos principalmente com sua “manteiga de caracol”, também existem outras formas de preparo, como na cassoleta, com Chablis ou ainda à moda Normanda. Embora esta tradição culinária cause espanto ou risos em outros países, a França não é o único lugar onde os caracóis aparecem nos menus. Na bacia do Mediterrâneo, especialmente na Espanha e no Marrocos, também existem receitas semelhantes, como os caracóis temperados com especiarias (Babouch), uma especialidade dos souk consumida diretamente nas ruas. Além disso, o caracol é preparado em diversos países da África, como Gana, Camarões e Nigéria, além de grande parte do Sudeste Asiático (China, Vietnã, Laos, Filipinas, Indonésia…).