Bracarense de gema, arquiteto do seu próprio jogo, criando um estilo ímpar e imprevisível que advém da sua capacidade de observação e de projetar coisas no espaço. A arquitetura ao serviço do taekwondo. Os valores do taekwondo ao serviço da saúde e educação. Uma carreira dual com apoio e reconhecimento da FADU e do COP. Já têm pistas suficientes para saber de quem falamos? Claro que sim, até porque está no título! Júlio Alexandre Bacelar Oliveira Ferreira.
KP: Hoje em dia és um dos atletas nacionais de taekwondo mais reconhecido. Como foi o início, como chegaste ao taekwondo?
JF: Em criança era um belo traquina e cheio de energia ou irrequieto. Por aconselhamento da médica de família, os meus pais consideraram que levar-me a experimentar uma arte marcial seria uma bela forma de desfazer a estamina que tinha. Devo dizer que foi um dos pilares, não só no controlo energético, mas na minha educação devido aos valores que uma arte marcial, ensinada pelas pessoas certas, pode incumbir aos mais novos.
KP: Houve algum outro desporto que te cativasse antes do taekwondo?
JF: Na altura não tinha nenhuma modalidade em interesse, tal como disse, o taekwondo começou por ser um aconselhamento médico. Talvez a modalidade que saltasse mais ao ouvido fosse o futebol, mas apenas por ser praticamente o único desporto que com aquela idade se prestasse atenção.
KP: O que mais nos podes dizer sobre “o Júlio” enquanto criança?
JF: Bem… Aquilo que me lembro é de fazer asneiras, levar reprimendas, ser meio preguiçoso e de ser um aluno mediano/bom na escola. Não saía muito à rua para brincar, então acabava por me entreter sozinho, fosse a desenhar ou a criar cenários com os bonecos e restantes brinquedos que tinha.
KP: Quais as tuas referências dentro e fora do tatami?
JF: Sempre que se fala de referências, são notórios OS atributos que as valorizam, seja no Taekwondo, na Vida ou na Arquitetura. Mas principalmente são características que se tornam únicas pela forma como as usaram nas suas respetivas áreas e, por isso, sou alguém que valoriza quem transcende a partir dos seus próprios atributos. Daí, e devido à enorme cegueira e preguiça que dispunha na minha adolescência, desenvolvi o meu estilo de jogo de forma a ser mais esquivo e estranho, pois distraía os adversários e assim conseguia encontrar aberturas que não via quando as procurava através da técnica, velocidade ou força, atributos nos quais nunca fui excelente. Por isso, as minhas referências passam por olhar para mim, escolher os objetivos que desejo e entender de que forma os posso atingir. Dito isto, no taekwondo português referencio o Pedro Póvoa, o Mário Silva e o Rui Bragança exatamente pela capacidade de entenderem as suas aptidões e explorá-las a um nível incomparável. Fora, venero aqueles que me conseguem mostrar uma forma diferente de ver o Mundo.
KP: O que mais valorizas num adversário?
JF: Respeito e inteligência a trabalharem em conjunto. Um bom jogo tem a ver com entender a situação e o anular ou encontrar uma solução que se sobreponha, não por desconsideração do adversário.
KP: Por outro lado, o que menos aprecias?
JF: Desrespeito…
KP: Tens alguma superstição ou amuleto antes de entrares para uma competição?
JF: Penso que após a rotina, aquecimento, música, comida, o mais importante para eu entrar num combate, na ZONE, preciso de visualizar, de perceber as características do adversário e ver-me a vencê-lo, a marcar pontos e a sofrer, ver-me frio e sem reações emocionais perante surpresas.
KP: Qual a vitória mais saborosa que já tiveste? Porquê?
JF: A da repescagem para medalha de Bronze nos Jogos Europeus de Baku 2015. Foi o maior palco e a melhor experiência competitiva da qual já fiz parte. Para repetir!
KP: No ano passado foi melhorado o estatuto atleta-estudante, incentivando a FADU (Federação Académica do Desporto Universitário), entre outras entidades, a uma carreira dual. Como concilias a vida académica com a desportiva?
JF: Treinar sempre fez parte da minha rotina: a minha vida sempre passou por estudar durante o dia e ao final da tarde treinar. Quando entrei para a universidade, as competições tornaram-se mais assíduas e a partir daí existiu uma enorme ajuda pela Universidade do Minho com o programa Tutorum, fosse na reposição de aulas ou exames, uma maior facilidade na justificação de faltas e a compreensão dos professores. Por fim, a entrada no Projeto Olímpico permitiu-me acalmar as obrigações que tinha para com os meus pais, acabar o curso e tornar-me independente. A bolsa possibilitou-me focar mais nos objetivos competitivos que desejava.
KP: Como é a tua rotina de treinos?
JF: Todos os dias faço treinos bidiários, com exceção do domingo. Treino uma hora de manhã, num dia físico no seguinte técnico/tático específico, e uma hora e meia à noite de técnico/tático.
KP: Como é do conhecimento geral, a Federação Portuguesa de Taekwondo tem parcos recursos e atravessou um período algo sombrio, erguendo-se agora. Como financias as tuas idas constantes ao estrangeiro em competição pela seleção nacional?
JF: Atualmente pertenço Projeto Olímpico: a cada atleta é atribuída uma bolsa anual para despesas na preparação e apuramento para os Jogos Olímpicos, seja alimentação, inscrições, viagens, estadias, materiais e fisioterapia. Não fazendo parte do Projeto, o meu clube, o Sporting Clube de Braga, ajuda nas despesas que os atletas tenham nas competições e fornece os serviços que o clube dispõem de apoio ao desporto.
KP: Habitualmente contas com a companhia da Joana, do Rui e do Nuno. Três palavras para descrever este “quarteto fantástico” do taekwondo português.
JF: Irreverência, no sentido de lutar pelo melhor caminho para o futuro; incansável, pelo tempo que dão ao desporto com uma constante vontade de evoluir; e surreal, pela capacidade de adaptação que a geração de ouro do taekwondo português teve e tem de ultrapassar.
(Continua amanhã)
https://kombatpress.com/index.php/entrevistas/item/3200-taekwondo-entrevista-a-julio-ferreira#sigFreeId1d44be5b7b
Entrevista: Joana França/Kombat Press
Fotografia de destaque: Marco Mendez Photographer
Fotos: DR
Agradecimento: Júlio Ferreira